Exclusivo: acordo por direitos globais de Shakira com Live Nation estimou receitas de U$ 800 milhões

Pela primeira vez, um site especializado na cobertura da carreira da cantora colombiana obteve acesso aos números que envolveram o exclusivo contrato 360° com a gigante do entretenimento ao vivo

Da Redação – Quando Shakira e a Live Nation anunciaram uma parceria de 10 anos, em 2008, o mundo da música estava em estado de pólvora. A colombiana era a quarta artista a assinar um contrato de longa duração com a gigante do entretenimento ao vivo. Naquela época já haviam batido o martelo Madonna, Jay-Z e U2. Um pouco tempo depois a banda canadense Nickelback se juntou ao time. Aquele era um tipo de contrato pouco usual: a empresa comprava todos os direitos globais do artista, incluindo gravação, por um longo período de tempo e adiantava, logo na assinatura do contrato, uma boa quantia por esses direitos, algo na casa dos sete dígitos. A imprensa noticiava esses contratos com entusiasmo e eles representaram à época um divisor de águas para a Live Nation, que havia criado a divisão Nation Artists apenas para cuidar dessas operações. A empresa tinha no seu casting o que o mercado julgava ser os maiores artistas com projeção global de cada segmento: pop, hip hop, rock e latin.

Edição do The New York Times de 2 de julho de 2008 anunciando contrato de Shakira com a Live Nation.

Esses artistas abandonaram suas gravadoras tradicionais, com exceção de U2 que não inclui direitos de gravação no acordo, e passaram a integrar o time da Live Nation, que cuidaria da gravação, distribuição, promoção, marketing, merchandising, direitos de imagem, mídia, patrocínios e turnês.

No caso de Shakira, a imprensa noticiou na época que o seu acordo estava avaliado em torno de U$ 70 a U$ 100 milhões, dependendo do desempenho da cantora nos 10 anos de vigência. Esse valor se referia ao ganho real da artista com a parceria, mas estava muito longe do valor real de todo o contrato. Hoje, mais de uma década após a assinatura do acordo, o SBR obteve acesso a um documento do departamento financeiro da empresa, datado de 7 de agosto de 2008, e enviado para o grupo de investidores da corporação. O documento em questão é um anexo do balanço financeiro da Live Nation do segundo trimestre daquele ano, que trazia informações adicionais aos acionistas sobre especificidades dos investimentos, ganhos, perdas e projeções do balanço trimestral. No documento constam algumas informações inéditas ao público sobre os detalhes financeiros do termo assinado com a colombiana.

O valor de mercado de Shakira: U$ 800 milhões em receitas

O anexo intitulado “LIVE NATION, INC.SECOND QUARTER 2008 SUPPLEMENTAL OPERATIONAL AND FINANCIAL INFORMATION” descreve, entre outras coisas, os segmentos de atuação com Shakira e uma projeção financeira do que eles esperavam obter com a artista. Segundo o documento, a Live Nation previa que a cantora colombiana fosse gerar, nos próximos 10 anos, U$ 800 milhões em receitas brutas. Esse valor equivale a mais de R$ 3 bilhões, utilizando a taxa de câmbio praticada pelo Banco Central brasileiro da última sexta-feira (28) e sem correção monetária.

Desse valor, a companhia calculava que obteria U$ 110 milhões de lucros decorrentes do contrato. Ou seja, pagando o valor devido à artista e cobrindo todas as despesas referentes a todas as operações dela, a Live Nation ainda esperava lucrar o equivalente a mais de R$ 420 milhões.

O documento ainda detalha todos os direitos adquiridos da colombiana: turnês, merchandising de turnê, ingressos de mercado secundário (revenda), gravação de música, licenciamento e outras mercadorias de varejo, patrocínios e endossos não advindos de turnê, DVD e direitos de transmissão, fã-clube, website e direitos literários.

A única a fazer apenas duas turnês

Chama a atenção que o contrato de Shakira não estipulava o número de ciclos que a artista precisava cumprir. No caso do Nickelback, cujo valor de receita esperado em 10 anos era de U$ 700 milhões e lucro projetado de U$ 90 milhões, o acordo determinava o cumprimento de 3 ciclos, ou seja, pelo menos três turnês precedidas de três discos de inéditas. Essas informações também constam no documento analisado pela nossa reportagem. Isso explica, porque a colombiana foi a única artista do selo a realizar apenas duas turnês mundiais nos 10 anos de contrato: Sale el Sol World Tour (2010-2011) e El Dorado World Tour (2018).

Música Gravada e Alteração de Contrato

No caso da gravação de música, em 2012 o acordo sofreu uma alteração, amplamente divulgada pela imprensa do mundo todo. A Live Nation assinou um contrato de distribuição com a Sony Music, através da RCA Records e Sony Music Latin, para distribuir três álbuns de inéditas da colombiana. Este contrato foi avaliado em torno de U$ 30 milhões e as empresas dividiriam os lucros das vendas dos discos. Também com validade de 10 anos, este acordo se encerra em 2022 e a colombiana já entregou dois dos três álbuns estipulados: Shakira. (2014) e El Dorado (2017).

Fim do Contrato 360°

O contrato 360° assinado com a Live Nation chegou ao fim em 31 de dezembro de 2018 e, ao que parece, não foi renovado. Nossa reportagem entrou em contato com a assessoria da empresa em Nova York, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos retorno. Vale ressaltar, que o contrato de gravação celebrado entre Shakira, Live Nation e Sony Music ainda permanece em vigência.

Dos cinco contratos 360° assinados entre 2007 e 2008 pela empresa, apenas o do rapper Jay-Z foi renovado e divulgado à imprensa. o do U2 ainda está em vigência, porque foi o único fechado com duração de 12 anos. A cantora Madonna não renovou, apesar de continuar produzindo suas turnês com a companhia. Esse é o mesmo caso da banda canadense Nickelback. Provavelmente é o mesmo destino de Shakira, que ainda aparece no site da Live Nation como artista do seu casting de turnês.

Matéria do The New York Times de 11/05/2017 anunciando a renovação do contrato de Jay-Z com a Live Nation.

Outra evidência encontrada pela equipe do SBR de que a maioria dos contratos foi descontinuada é que a divisão Live Nation Artists, que estampava os 5 artistas do grupo, não existe mais nas páginas web da corporação e não há nenhuma menção a ela nos organogramas da empresa, disponíveis em modo público.  Em 09 de fevereiro de 2017, nós publicamos uma reportagem explicando o funcionamento do contrato assinado por Shakira em 2008. Naquela data, a imagem dos cinco artistas (Shakira, Madonna, Jay-Z, Nickelback e U2) ainda aparecia em destaque no site da companhia, conforme print de tela exibido na matéria.

Captura de tela do site da Live Nation Artist em matéria publicada pelo SBR em 09/02/207

O desempenho da Shakira no contrato

Na tentativa de contato com a empresa perguntamos se as projeções de receita encontradas no documento analisado pela nossa equipe se confirmaram nos últimos dez anos de parceria com Shakira. Vale ressaltar que essas informações são apenas previsões financeiras (não o valor real recebido) e podem ter sofrido alteração no decorrer da vigência do acordo. Sem resposta, nossa equipe analisou o retrospecto comercial de Shakira no período compreendido entre 2009 e 2018 e os números parecem ser animadores. Essa análise é superficial e sem qualquer metodologia estatística, portanto ela é apenas referencial.

Na última década, Shakira vendeu milhões de discos. Apesar dos álbuns “She Wolf” (2009) e “Sale el Sol” (2010) não integrarem o acordo com a Live Nation, eles catapultaram o nome da artista lhe rendendo contratos publicitários e patrocínios com altos ganhos, além de aumentar o valor agregado da marca “Shakira”. Além disso, eles foram o catalisador do enorme sucesso da turnê The Sun Comes Out/Sale el Sol, que rodou o mundo todo, com mais de 110 apresentações em cidades das Américas, Europa, Ásia e África. O sucesso do hino oficial da Copa do Mundo de 2010 também agregou enorme valor ao desempenho comercial da colombiana. Soma-se a isso a empreitada bem-sucedida da era Shakira. (2014), com participações milionárias em duas temporadas do The Voice norte-americano, parceria com Rihanna em um single de apelo global, contratos exclusivos com a Target e Fisher-Price e uma nova participação em um Mundial da FIFA. Mais recentemente, nos anos de 2016-2017 ela fez a bem sucedida transição para a era do streaming, reafirmando seu nome como um dos mais proeminentes da indústria fonográfica global. Sua turnê mundial do disco El Dorado, apesar de ter tido um número menor de concertos que a anterior, registrou ganhos de arrecadação que a colocaram como a maior série de shows de um artista latino no ano de 2018. Todo esse retrospecto nos leva a crer que o desempenho da artista cumpriu a expectativa do corpo diretivo da Live Nation.

E quanto Shakira ganhou?

Se a Live Nation esperava obter lucros na ordem dos U$ 110 milhões com o desempenho de Shakira, a pergunta natural que os nossos leitores provavelmente nos fariam é: e quanto a colombiana ganhou com esse contrato? Os valores pagos pela empresa aos artistas são segredos comerciais e protegidos por lei. Eles são informados às autoridades fiscais dos países em que operam, mas dificilmente vêm a público. No entanto, nossa reportagem cruzou uma série de dados obtidos dos relatórios financeiros da companhia dos anos de 2008,2009 e 2010, além de 49 páginas de um processo de 2013 na corte de Los Angeles que detalha alguns ganhos de capital da artista e matérias veiculadas na imprensa. Com esses dados é possível fazer uma estimativa dos ganhos da cantora com o contrato 360°.

O balanço financeiro anual de 2009 da Live Nation traz em uma de suas 128 páginas um parágrafo que detalha os valores pagos pela companhia nos anos de 2009, 2008  e 2007 com a compra de intangíveis (direitos globais dos artistas). “Em 2009, 2008 e 2007, utilizamos US $ 27,9 milhões, US $ 65,5 milhões e US $ 47,6 milhões, respectivamente, em dinheiro, principalmente relacionados a
celebrar certos acordos de direitos de artista com Madonna, Jay-Z, Shakira e U2, bem como os direitos adquiridos em 2008
com 51% de participação na Live Nation – Haymon Ventures, LLC”, diz o documento.

Página do balanço anual de 2009 da Live Nation que detalha valores pagos de adiantamento do contrato com Shakira.

Cruzamos os dados. Nas páginas do processo de número BC505814 da The Superior Court of California, que foram arquivadas em 12 de abril de 2013, há a informação que em 2008, Shakira abriu as empresas ACE Entertaiment S.A.R.L. em Luxemburgo, para receber  os royalties advindos de seu contrato com a Live Nation, e a Turnesol Limited em Malta, controladora da ACE. Segundo o processo, todo o dinheiro recebido pela ACE foi transferido para Turnesol. Essas empresas receberam apenas os valores referentes a direitos de autor e licenças de conteúdo e marca pactuados no contrato com a Live Nation. Ou seja, não foram incluídos aqui ganhos com turnê merchandising e patrocínio. Matérias repercutidas na imprensa do mundo todo, no caso conhecido como Paradise Papers, deram conta que Shakira movimentou em 2009 a quantia de 36 milhões de dólares de Luxemburgo para Malta. Com isso, podemos concluir que dos U$ 65,5 milhões de dólares pagos em 2008 pela Live Nation para compra de intangíveis, pelo menos U$ 36 milhões foram para comprar os direitos musicais e de autor da colombiana.

Uma das 49 páginas do processo na Corte da Califórnia envolvendo Shakira utilizadas para compor esta reportagem

Ainda segundo o processo, para gerenciar os recebimentos de ganhos com os outros vários aspectos de sua parceria com a Live Nation, a cantora criou uma série de outras empresas. “Shakira recebeu dezenas de milhões de dólares em adiantamento por seu contrato com a companhia”, diz o documento na página 28. O documento ainda detalha que a cantora recebeu no final de 2011, pelos shows da sua turnê Sale el Sol a quantia de U$ 17,5 milhões. O número bate com o total de ganhos estimados da artista naquele ano fiscal em função do imposto de renda calculado pelo governo da Espanha, que ficou em torno dos 20 milhões de euros, algo próximo a 23 milhões de dólares. Assim, apenas com o adiantamento da assinatura de contrato e os ganhos referentes a turnê Sale el Sol, a colombiana recebeu pelo menos U$ 53 milhões. Nossa reportagem não conseguiu apurar os ganhos envolvendo outros ramos de atuação sob o roll do contrato.

Para receber os royalties pela El Dorado World Tour da Live Nation, a artista criou em 31/10/2017 a Global Golden Tour SL em Barcelona. Nossa reportagem pesquisou os dados da companhia no site do Registro Mercantil de Barcelona e descobriu que ela foi registrada tendo a cantora como única sócia e dois advogados como administradores solidários. O capital social informado na abertura foi de 3000 euros. Tentamos localizar junto ao órgão mercantil o balanço financeiro ou a mudança de capital social para verificarmos ou estimarmos os valores recebidos por Shakira, mas não encontramos balanços disponíveis.

Com os números obtidos por esta reportagem fica fácil intuir que os valores recebidos pela cantora Shakira parecem chegar próximos aos reportados pela imprensa no período de celebração do contrato (entre U$ 70 e U$ 100 milhões), se não forem superiores. Isso porque com apenas dois pagamentos localizados por nossa equipe chegamos ao montante de U$ 53,5 milhões (R$ 205 milhões aproximadamente). Os números por si revelam o tamanho da empreitada assumida pela colombiana e pela companhia de entretenimento há mais de 10 anos. Um negócio de alto risco, mas que parece ter se provado altamente rentável para ambas as partes e prova, sobretudo, a força de Shakira na indústria de música gravada e do entretenimento ao vivo.

***

Esta reportagem foi realizada no período compreendido de 01 a 30 de junho de 2019 e envolveu a pesquisa em quase 400 páginas de documentos dos balanços financeiros dos anos de 2008 e 2009 da Live Nation, com seus anexos, 49 paginas do processo BC505814 da The Superior Court of California, dezenas de artigos da imprensa disponíveis na internet datados de 2008, 2009, 2012 e 2017, além de consultas a órgãos como o Registro Mercantil de Barcelona.

 

 

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