Shakira concedeu uma entrevista intimista e reveladora ao apresentador Xavi Martinez para a série de entrevistas #real, que vai ao ar no Youtube. Durante a conversa, o apresentador foge dos temas comuns como beleza e moda e vai fundo para entender o momento em que a colombiana se encontra ao lançar o disco ‘El Dorado‘.
O Shakira Brasil traz com exclusividade a íntegra da conversa transcrita em português. Confira:
Shakira começa a conversa, aparentemente gravada em um estúdio de som, falando sobre sair em turnê com os filhos:
Quando começar verei como é. Nunca fiz uma turnê com duas crianças. Vou levá-los em uma boa parte, mas haverá dias em que estarei sozinha. Acho que na primeira semana vou querer eles comigo, mas vamos ver no que dá. Estou louca para que eles me vejam no palco, é um dos meus maiores incentivos. Falei sobre isso com o Gerard e ele me dizia que um de seus maiores incentivos no futebol é Milan e Sasha o verem jogar. Por isso vai para o campo com tanta alegria, porque sabe que seus dois filhos, que o o acompanham, sobretudo Milan, que é obcecado por futebol, estarão lá. Acredito que para ele a paternidade seja uma injeção de energia e para mim é igual. Me fez querer fazer mais música, seguir adiante com minha música agora não apenas para meus fãs, mas também para meus filhos e o que quero que vivam comigo.
“Você tem uma energia como núcleo familiar fora de série, e isso se nota de longe“, diz Xavi.
“Acho que fazemos o melhor que podemos e há muito amor“, responde Shakira.
Acredito que este seja o cimento de qualquer família. Tentamos conservar este amor e cuidar dele. É preciso se dedicar, há um investimento de tempo e de esforço, mas o que tenho muito claro é que para mim isso é o mais importante, a família é o mais importante, o amor é o mais importante e todo o resto é secundário, vem como consequência. Acho que quando você e as pessoas que ama estão bem, todo o resto funciona, tudo segue seu curso natural, mas sim, eles são o mais importante, sem dúvida.
Xavi muda o assunto e fala da fama: “Você é a número 1 e ele é o número 1. No final, o sucesso pode matar até aquilo que temos de mais bonito e íntimo, não acha?“.
Shakira responde sem pensar duas vezes:
O narcisismo, a idolatria, os perigos da fama, tudo isso, se não existem valores fundamentais, se não se considera a família como o principal, se não se dedica o tempo, a energia e também o compromisso… É necessário se comprometer na vida, com ideais, com pessoas, mas nossos familiares também devem ser parte deste compromisso. Pelo menos é como eu vejo e acho que nisso Gerard e eu concordamos. Compartilhamos de muitos valores essenciais que são como um denominador comum.
Ao ser perguntada se acha que os valores básicos estão se perdendo, ela ainda completa:
Meus pais não podem viver um sem o outro, mas não precisam fazer nada. Estão na mesma casa todo dia. Eu digo “façam alguma coisa!” e eles dizem “estamos felizes aqui“.
Sobre ter mais filhos, ela desconversa:
Nunca se sabe. Eu teria muitos mais. Adorei a experiência de ser mãe. É o trabalho mais difícil que existe. Nunca pensei que seria tão difícil ser mãe. É algo que toma muita energia. No meu caso, pelo menos, porque penso muito neles o tempo todo então o desgaste não é apenas físico de trazer e levá-los porque apesar de tudo são muito pequenos, mas também emocional e intelectual. Acho que meu HD já está quase todo ocupado com eles e especialmente por isso me parecia muito difícil criar um novo disco, escrever músicas e tudo isso. Em algum momento isso me parecia uma tarefa hercúlea como escalar o Everest.
Antes eu era o centro do meu mundo, então tudo começava e terminava comigo, mas agora sou um satélite deles, sou absolutamente secundária. Eles são os principais. Claro, ao fim do dia estou um trapo, não tenho energia para nada, mas acho que isso acontece com todas as mães, especialmente nesta etapa, em que ainda são tão dependentes. [Ser mãe] é um trabalho duro, porque você nunca sabe se está fazendo direito. Me pergunto isso o tempo todo. Eu tento ser uma boa mãe, mas isso só saberemos daqui a uns 18 anos. [risos]
Shakira ainda fala um pouco sobre as preferências de cada um de seus filhos:
É um pouco prematuro, mas já vejo as inclinações. Sasha é muito artístico, apaixonado por música. Na verdade, ambos são muito afinados, acho que os dois saíram com o gene musical [risos]. Já para Milan, a devoção pelo futebol é tanta que ele não consegue ver mais nada além do Barça e da seleção nesse momento. Mas acho que os dois serão muito musicais. Vejo que são afinados quando cantam, acompanham bem o ritmo. Pode ser que saiam como a mãe, não sei! [risos] Mas isso não me interessa. Quero dar a eles todas as ferramentas para que possam desenvolver todo o seu talento, todo o seu potencial, seja ele intelectual, esportivo, artístico. Que eles encontrem seus próprios caminhos e que ao final se dediquem ao que mais os apaixona, e que o façam com alegria e sejam felizes com isso e com os valores que gostaria que tivessem: responsabilidade social, sabendo que tudo que fizerem na vida terá impacto sobre os outros, mas que acima de tudo aproveitem, qualquer que seja sua vocação.
Através de um vídeo gravado em um ipad, Alejandro Sanz pergunta em que momento se apaixonou pela música e Shakira responde:
Foi com Dona Summer. Ela lançou um trabalho que se chamava ‘Bad Girl‘. Eu devia ter uns 3, 4 anos. Fiquei obcecada e me lembro que esta foi a primeira música que me conquistou. me lembro também de descobrir a música do oriente médio e com ela também meu lado dançarina. Acho que estas duas experiências musicais foram as que começaram a me despertar.
Shakira também falou ao ser perguntada sobre qual é sua missão neste mundo:
Acho que quando era mais jovem precisava ser relevante, buscar um lugar na sociedade, ser lembrada. Hoje em dia me tornei um pouco mais cínica, no sentido de que sei que somos um grão de areia no deserto e que é impossível que se lembrem de mim por muito tempo. Quem sabe se lembrem de mim por 5, 10, 15 anos mas no final, a memória do ser humano e curta e os livros de história são reservados para uns poucos. A única coisa que me interessa de verdade agora é transcender no coração de meus filhos e que eles, por sua vez, sigam deixando coisas boas nos outros, nos filhos de seus filhos. Agora minha perspectiva talvez tenha se reduzido um pouco, mas continuo sendo intensa da mesma maneira.
Ela também fala sobre seu trabalho social:
Eu faço por que gosto e porque sei que de alguma maneira sou responsável pela mudança, sei que sou responsável por muitos indivíduos. Tenho esta responsabilidade e não posso fugir dela. Quero que meus filhos pensem da mesma maneira quando chegar o momento. Quero que eles entendam que todos têm responsabilidade por este mundo em que vivemos, e muito mais no mundo globalizado de hoje. Não podemos deixar de lado o efeito borboleta. Não podemos pensar que um bater de asas de uma borboleta deste lado do mundo não tenha efeito do outro lado. Cada coisa coisa que fazemos ou deixamos de fazer tem uma consequência.
Acho que o mais importante, agora mais do que nunca, é não baixar os braços e nos assegurar de que estes discursos racistas, de intolerância e de segregação sejam paralisados e não penetrem nas entranhas da sociedade e consigamos promover sobretudo nos nossos filhos valores que sejam incorruptíveis para que possam crescer com uma visão de mundo progressista e pluralista e os pais, os educadores e a sociedade em geral têm que se encarregar disso. Essa é a melhor forma de resistir e de evitar que qualquer pessoa louca nos digam onde temos que acabar.
Ela ainda alfineta: “Sabe, acho que os governante deveriam passar por um teste psicológico. Se fazem isso com os motoristas, porque não fazer com quem vai dirigir um país? mas sem brincadeira, isto deveria ser considerado.
Ao ser perguntada sobre o sobrenatural e no que acredita, ela foi direta:
Hoje sou mais pragmática. Não sei se sou mais materialista, porque acredito no que vejo, no que há, mas quero me concentrar neste mundo porque outros mundos, outras realidades, são algo muito distante para meu cérebro pequeno que agora só consegue se concentrar em dar banho.
Shakira também conversa rapidamente com o cantor Pablo Alborán via Skype e ele a pergunta sobre os riscos de fazer coisas diferentes e mudar de estilo:
A vantagem de ser um artista solo, de não fazer parte de um grupo, é que temos a liberdade de ir na direção que quisermos. Ao menos na minha vida, sempre quis seguir meus instintos e nunca me preocupei muito em fazer álbuns que tivessem uma unidade sonora o conceitual. Para mim, o importante é a música, e sempre deixei que elas surgissem da forma mais orgânica possível, e muitas destas músicas vieram em formas e gêneros distintos. Por isso investiguei muitos gêneros diferentes e por isso não me deu medo. O que me dá medo é que as coisas não saiam, sabe? Por exemplo, antes de começar com este disco, entrei um pouco em pânico, especialmente nas primeiras duas semanas. O medo sempre está aí, mas não é medo de experimentar, especialmente como artistas pop que somos. O pop tem uma licença para seguir em qualquer direção e no fim das contas os fãs te acompanham em qualquer aventura que você os proponha.
“Se tivesse um vídeo com o que se passava no cérebro da Shakira pequena, o que veríamos?“, pergunta Xavi.
Shakira complica:
Dizem que para o subconsciente não há tempo. Para o subconsciente é sempre presente. O que aconteceu conosco há 5, 10, 15 anos e que realmente nos marcou continua em carne viva com se tivesse acontecido semana passada. É curioso porque me lembro sendo a mesma pessoa. A aparência mudou, mas a essência sempre se mantem, ou pelo menos eu me lembro como sendo igual. Todos vivemos experiências e somos seres impressionáveis e suscetíveis a mudanças. A própria vida vai deixando feridas que vamos cicatrizando mas há outras que sempre ficam abertas.