Dizem que um artista feliz é um artista menos prolifico. Discutível ou não, esta verdade é sem duvida verdade com relação a Shakira. Ao longo dos cerca de doze anos em que esteve em um relacionamento aparentemente feliz com Gerard Piqué, a colombiana manteve sua carreira ardendo em brasa, morna porém constante, com sucessos como “Chantaje” ou sua bem sucedida participação no Super Bowl, ao invés da chama flamejante dos tempos de “Waka Waka (This Time for Africa)” ou “Hips Don’t Lie”. Agora, porém, a colombiana parece disposta a reclamar novamente seu posto na cena pop latina e recusar o posto de “legacy” para a qual sua idade a empurra inevitavelmente, mergulhando no trabalho de cabeça.
Se “Te felicito”, mesmo sem divulgação tradicional, teve seu desempenho vitaminado pelo que acontecia em sua vida pessoal, “Monotonía” parece se aproveitar novamente do mesmo expediente, usando a seu favor o interesse do público por saber um tico mais sobre sua sempre tão resguardada vida pessoal, mas ao mesmo tempo usando sua arte como válvula de expurgo para seus próprios sentimentos.
Neste sentido, o clipe para o novo trabalho é surpreendentemente complexo para a videografia da colombiana . Se Shakira tem, em geral, uma tendência a ver seus os vídeos musicais muito mais como um mero veículo visual ou interpretação física para seus singles (algumas belas exceções sendo “Pies Descalzos, Sueños Blancos” ou “Las de La Intuición”), aqui ela parece usar o trabalho não apenas para contar uma história, algo que por si não lhe é usual, mas para permitir a seus fãs e o público em geral bisbilhotar um pouco mais dos anseios e dores que lhe afligem.
Desta maneira, o buraco no peito causado por uma bazuca, que lhe arranca o coração é mais do que um elemento de roteiro, mas a representação visual de uma imagem muito comum na poesia, música e artes em geral. Mais do que a literalidade óbvia de um coração ensanguentado, o buraco no peito que ela exibe durante todo o clipe traduz de maneira física o sofrimento de uma mulher que virou seu mundo de pés à cabeça por um amor, deixando pelo caminho outro relacionamento e uma carreira que foi posta quase em stand-by.
Não se engane: o clipe de “Monotonia”, que seguramente já figura entre os mais belos da extensa videografia de Shakira, é muito mais do que um “easter egg” de “Me Enamoré” ou um “shade” a Piqué, com seu moletom branco. É um mergulho em sua alma. Talvez o mais profundo a que tenhamos acesso em muito, muito tempo.