A Shakira não é uma deusa do Olimpo!

Levi Tavares – Ser um fã de longa data é uma daquelas coisas que a gente gosta de exibir com afinco e tem lá suas vantagens. Você conhece bem o seu artista, suas virtudes, sua lógica de trabalho, metodologia e, muitas das vezes, sabe o que esperar dele. Mas esse papel de fã veterano também carrega um perigo oculto que eu vou chamar aqui de “síndrome do especialista”. Hoje o fã veterano acha que sabe o que é melhor pro seu artista, mais do que ele próprio. O fã quer assumir o papel de manager, analista de marketing, produtor musical, social media e assim por diante. Esse é um fenômeno relativamente novo, que nasceu junto com a era do streaming e como consequência do avanço das redes sociais, que de uma só vez, deu voz a todo mundo.

Hoje pela manhã eu estava navegando por uma dessas rede sociais e me deparei com uma notícia sobre os fãs da banda americana “Paramore”. A nota dizia algo a respeito dos fãs mais velhos da banda não gostarem dela estar abrindo os shows da turnê da Taylor Swift, reclamando inclusive dos fãs novos que estavam chegando a partir daí. A banda precisou trancar os comentários devido a enxurrada de críticas que partiam dos próprios fãs. Isso me fez refletir que com a Shakira se passa o mesmo, mas em outro contexto. E, de uma maneira geral, deve atingir todo artista que começou sua carreira antes da era do streaming e até alguns mais “novatos”.

Eu sei que essas críticas sobre um detalhe específico da carreira do artista são feitos com as melhores das intenções. A gente quer o melhor para aquela pessoa que a gente idolatra e vem acompanhando por uma vida toda. Mas o perigo mora nos detalhes. Invocando a tal síndrome do especialista, a gente acha que sabe o que é melhor pro nosso artista favorito. O tipo de música que deve lançar, quando lançar, com quem lançar, qual a estratégia de marketing deveria adotar, plano de mídia e gerenciamento da rede social. Mas sinto informar: A GENTE NÃO SABE!

Com a Shakira se passam algumas coisas que merecem a atenção aqui. Uma delas são suas parcerias musicais com as estrelas da nova geração da música latina. Nos últimos anos, a colombiana tem gravado com artistas como Maluma, Prince Royce, Karol G, Ozuna e Manuel Turizo. Os fãs mais antigos da colombiana, toda vez que ela anuncia uma parceria desse tipo, vem em peso às redes reclamar e soltar críticas mordazes sobre o tema. A gravadora encarna a figura de vilã, pela sua estratégia conhecida de usar a Shakira, uma artista global consolidada, para ajudar a divulgar as estrelas da casa. Não são poucos os comentários do tipo “a Sony está acabando com a carreira da Shakira”, “Shakira virou estepe pra carreira de fulano” e coisas do gênero. Não estou dizendo que as críticas não são válidas. Mas talvez a gente não se dê conta que a forma como escolhemos externalizar nossas inquietações tem repercussão negativa na carreira da nossa favorita.

A Shakira não é uma deusa do Olimpo! O fato dela ter se tornado a maior artista latina de todos os tempos até o momento não a torna uma figura intocável e inacessível, que só deve se misturar com seus pares, os outros deuses e semideuses do Olimpo. A maioria das críticas que leio quando o assunto são as suas colaborações, é que a Shakira deveria gravar com artistas do seu peso e importância como Beyoncé, Rihanna, Britney Spears, Taylor e Coldplay e não com “Ozunas” da vida. Esse tipo de crítica tem pelo menos dois problemas e nenhum deles é a minha ou a sua predileção por artista consagrados. O primeiro e, talvez o mais óbvio, é o elitismo oculto nesse tipo de afirmação. Artistas do reggaeton e da música urbana são historicamente marginalizados. Esses gêneros musicais passaram ao mainstream da música latina há relativamente muito pouco tempo. Achar que Shakira é boa demais pra gravar com esses artistas é sintoma de um preconceito artístico com cantores de ritmos outrora marginalizados. Há muita qualidade artística no som do Rauw Alejandro, Anuel AA e Fuerza Regida. Não tem nenhum problema minha predileção pelo pop tradicional ou querer que Shakira grave uma colaboração com a Lady Gaga. O problema está quando eu começo a postar críticas ferrenhas ao artista X ou Y que ela decidiu colaborar e o reflexo que essas “reclamações” tem na própria Shakira. A colombiana passou incólume por muitos anos da carreira ao fenômeno dos haters. A gente sempre se orgulhava e batia no peito que absolutamente todo mundo gostava dela. Era um pecado capital falar mal da Shakira, ela realmente era amada por todas. Mas de uns tempos pra cá isso mudou um pouco e boa parte por conta dos fãs que vão às redes brigar com fãs de outros artistas por causa justamente dessas críticas. Nossas palavras têm peso.

O segundo problema esbarra novamente na tal síndrome do especialista. Como fãs veteranos a gente acha que sabe o que é melhor pra carreira da Shakira e pra gente essas colaborações não são o sinônimo de melhor. A questão é que no fundo a gente não sabe como o mercado funciona e muitos de nós ainda estamos com a cabeça lá na era dos discos físicos. Mas se a gente tomar um pouco de tempo para prestar atenção não vai demorar a se dar conta de que essas parcerias têm sido estratégicas ao longo dos últimos anos. O modo como as pessoas consomem música hoje mudou e a forma de manter seu trabalho artístico economicamente viável mudou junto. Segundo a IFPI, órgão máximo da indústria fonográfica global, os jovens entre 15-24 anos são os que mais passam tempo ouvindo música através das plataformas de streaming. Renovar público e alcançar esses jovens foi essencial para uma transição bem-sucedida da Shakira pra era do streaming. A colombiana não é só uma artista de legado como muitos dos seus colegas contemporâneos viraram. Ela continua competindo comercialmente com os astros da nova geração. E no contexto atual do mercado fonográfico, boa parte desse sucesso é pela estratégia de simbiose da gravadora de promover seus novos astros ao mesmo tempo que renova e jovializa o público da artista mais importante do selo.

Como fãs veteranos precisamos entender qual o nosso verdadeiro papel nessa nova selva, cheia de predadores prontos para dar o bote. Nós somos fãs, não somos produtores musicais, gerentes de turnê ou analistas de marketing musical. Isso não significa que não podemos falar sobre algo que nos incomoda ou que nos pareça errado. Mas é preciso estar atento ao fato de agora nós também termos uma audiência e isso impacta na imagem do artista que supostamente defendemos. A era do streaming matou um pouco o prazer de ouvir música pela música. Nós fãs nos tornamos os críticos mais mordazes dos nossos próprios artistas, na maioria das vezes, impelidos por posições em charts, números de plays no Spotify e views no Youtube. Se a música não foi bem, ela não presta, ainda que seja uma canção que tenhamos gostado bastante. E esse fenômeno da síndrome do especialista vem dessa nova realidade da era do streaming que deixou os fãs sedentos por charts para uma briga de egos nas redes sociais. Não é pecado querer que meu artista favorito alcance o #1 lugar, mas isso não deve tirar o prazer de ouvir música e nos colocar em papeis aos quais não pertencemos.

Acho que já passou da hora de pararmos de pedir a cabeça da manager ou do social media porque pensamos que eles fazem mal o seu trabalho, quando sequer sabemos o que eles realmente fazem. Já passou da hora de parar de irmos pra rede social pedir que ela mude de gravadora porque o álbum novo supostamente veio com 8 músicas inéditas e repleto de colaborações com artistas que não achamos ser dignos. A Shakira não é uma deusa do Olimpo e nós não somos os filósofos gregos que julgavam saber como todas as engrenagens do mundo funcionam. Então, faço um convite: na próxima vez que Shakira lançar uma colaboração, seja com Ozuna, seja com Ed Sheeran, vamos apreciar o quão bem a Shakira sabe fazer música independente dos meandros que ela precisar cruzar para desaguar no mar e seguir seu caminho para posteridade.

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