Em entrevista intimista à revista americana Billboard, os colombianos abrem o jogo sobre suas recentes parcerias em estúdio e o boom da música latina nas plataformas de streaming
No início de abril, a jornalista Leila Cobo viajou até Barcelona para conversar com a super estrela Shakira e o astro em ascensão, Maluma. No interior da famosa Torre de Bellesguard, patrimônio arquitetônico da capitão catalã, projetada por Antonio Gaudí, os cantores bateram um papo descontraído e foram clicados pelas lentes atentas do fotógrafo Ruven Afanador. O resultado desse encontro é a matéria de capa da mais nova edição impressa da Revista Billboard, que estará disponível nas bancas no próximo sábado (21).
Leila é categórica quando descreve Shakira como a “estrela feminina mais lucrativa e mais popular da música latina”, ao introduzir seu artigo. Não é por menos que Maluma se habituou a chamá-la de Rainha. Há dois anos, quando uma parceria entre os conterrâneos poderia soar como algo impensável, o diretor musical da Sony Music, Afo Verde, soprou essa ideia no ouvido de Shakira. E assim, a jornalista começa a narrar a história da parceria que abalou as estruturas da América Latina no final de 2016.
“Acabou sendo uma das ideias mais brilhantes que Afo Verde já teve e olha que ele já teve várias”, disse a colombiana.
Também foi do diretor musical, a ideia das parcerias com os outros astros latinos em ascensão, que dividem os vocais com a cantora em algumas faixas de seu disco El Dorado: Nicky Jam, Prince Royce e Carlos Vives. Sobre a ideia de reunir um jovem ainda com pouca projeção nos EUA com a cantora latina mais bem-sucedida da geração, Afo disse:
“Eu estava fascinado com sua evolução [de Shakira] de uma sensação global para gravar novamente como mãe. O que ia acontecer com toda essa sensualidade? Eu pensei que os dois juntos poderiam fazer coisas incríveis.”
Assim, Shakira, que já havia escutado seu colega (Maluma) com sua mescla sinuosa de pop e reggaeton em “Borro Cassete”, aceitou a sugestão da sua gravadora e se reuniu com o cantor em estúdio para sessões de composição. Dessas sessões nasceram os hits Chantaje e Trap.
“Quando me encontro com um produtor no estúdio, é um pouco como um encontro às cegas. Mas o que eu encontrei [com Maluma] foi química absoluta ”, confirma Shakira. “No momento em que a energia criativa começou a fluir, nunca parou.”
Chantaje debutou direto no posto mais alto na parada de singles latinos e permaneceu na 1ª posição durante 11 semanas. Mesmo sem um remix bilíngue, enfatiza a Billboard, a canção conseguiu o posto 51 na sua principal parada de singles, a Hot 100, feito até então inédito para Maluma. Dali em diante, o jovem astro colombiano viu sua carreira explodir. Ele fala sobre a influência de Shakira em sua música.
“Uma das coisas que mais me influenciou foram os elementos folclóricos que ela incorporou [em sua música] desde que era muito jovem”, diz ele. “Fazer parte desse grupo que foi influenciado pelos sons que identificam um país definitivamente teve influência sobre mim e minha carreira musical.”
Sobre Chantaje, ele é ainda mais enfático.
“‘Chantaje’ foi a primeira vez que trabalhei com uma [artista feminina]. Nós não sabíamos o que esperar um do outro, mas eu sempre soube que Shakira era brilhante. E essa foi a minha primeira impressão – confirmei isso. Eu percebi o gênio que ela pode ser.”
Confira a entrevista completa traduzida em primeira mão:
Billboard: Maluma, como foi conhecer Shakira?
Maluma: Eu me senti muito honrado porque essa foi uma oportunidade para aprender. Eu sou um novato. Minha carreira musical só tem 6 anos. Isso não é nada. E ir à Barcelona e me encontrar com ela, foi uma bela experiência. Houve uma química incrível.
Shakira: Obrigada, Juan (Juan Arias Londoño é o verdadeiro nome de Maluma). Estou sendo muito honesta aqui – Maluma é uma das pessoas mais talentosas que já conheci. Ele tem essa agilidade mental para escrever letras, melodias, e o melhor de tudo é que sempre concordamos. [Risos]
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Billboard: Ambos são colombianos. Qual é a influencia que isso tem no trabalho de vocês dois?
Shakira: Sinto falta de trabalhar com mais colombianos no estúdio. Há uma proximidade cultural insubstituível. É algo que não consigo encontrar com nenhum outro músico ou artista. Isso se reflete na vibe positiva e em como nos divertimos. Às vezes, o processo criativo pode ser tão doloroso quanto dar à luz. Mas quando se está com Maluma, pode até ser prazeroso.
Maluma: Ha, pode até ser “prazeroso”!
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Billboard: Maluma, o que você faz para deixá-la tão feliz?
Shakira: Primeiramente, ele me chama de Rainha o tempo. Rainha aqui, rainha ali.
Maluma: É verdade.
Shakira: Quando ele me chamou de reina pela primeira vez, eu disse: “Começamos bem”.
Maluma: Eu sempre disse que há uma coisa que nos diferencia enquanto colombianos em escala global: berraquera [traduzido livremente como instinto]. Mesmo que não sejamos ótimos músicos, encontramos pessoas que sabem como tornar as músicas ótimas.
Shakira: Quando um colombiano fica obcecado por algo, cuidado. Nossa história e os fatores sociais que enfrentamos nos transformaram em pessoas engenhosas que tiveram que sobreviver e encontrar seu caminho na vida.
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Billboard: Vocês dois cresceram durante a longa insurgência rebelde na Colômbia.
Maluma: Nós viemos de uma história em que tivemos que procurar nosso pão de cada dia, você me entende? E tivemos a fome de avançar devido a tudo o que vivemos. E no estúdio, somos do mesmo jeito. “Eu não posso tocar esse acorde. OK, alguém sabe como? ”Quando você une disciplina e perseverança, você consegue belas carreiras, graças a Deus.
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Billboard: Vocês encontraram barreiras na indústria sendo artistas latinos?
Shakira: O caminho para o sucesso tem sido mais longo, mais íngreme, com mais obstáculos do que se eu tivesse nascido na Flórida ou em Nova York. Por nascer em Barranquilla e começar uma carreira numa época em que a cena da música pop era quase inexistente na Colômbia … Quando comecei com minhas baladas e minhas músicas de rock, era um ambiente muito hostil. E não havia mídia social naquela época. Eu tive que viajar toda a extensão da América Latina para tornar minha música conhecida no começo, indo de uma estação de rádio para outra. Às vezes nós estávamos em três países no mesmo dia.
Billboard: Maluma, você tem as redes sociais…
Maluma: Desde o início. Então, havia uma maneira de compartilhar minha música ao redor do mundo. Mas isso não significa que eles iriam gostar da minha música nos EUA. Eu sempre digo com muito orgulho que os latinos têm algo em nosso sangue que não pode ser encontrado em todos os lugares, e isso é moda no mundo todo agora. Eu cresci ouvindo e vendo produtos americanos. Meus amigos e eu íamos a todas essas plataformas, e tudo o que víamos ou ouvíamos era o hip-hop americano. Eles não estavam olhando para a música que estávamos fazendo na América Latina, mas a América Latina sempre foi fortemente influenciada pela música que os americanos fazem. Quando chegamos a um palco americano, quando temos a oportunidade de estar no palco do Grammy, gostamos muito mais, porque sabemos o quanto o trabalho foi duro.
Shakira: Latinos em geral e colombianos em particular tiveram uma história difícil. Uma história em que comemos terra. Sabemos o que é conflito e sabemos o que é não ter nada e lutar para obtê-lo. Isso, de certo modo, define você como ser humano e como artista. O que herdamos e o que carregamos em nosso sangue – essa é nossa matéria-prima. É com isso que trabalhamos.
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Billboard: Você fica surpresa quando vê vários vídeos de música latina entre os 10 melhores do Youtube em uma determinada semana?
Shakira: Por muito tempo, a América Latina assistiu o produto do mercado Anglo. Agora, o resto do mundo está olhando para a América Latina. E é mais do que uma moda passageira. Está aqui para ficar.
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Billboard: Você não acha que isso é como a chamada explosão latina dos anos 90, que despareceu?
Shakira: Eu posso me considerar um fragmento da explosão latina. Há pessoas que ficam e pessoas que desaparecem. Depende de nós como artistas e o que temos para oferecer. É difícil generalizar, mas a música está em um ponto em que cada vez mais tem um som mais sofisticado que é atraente para um fã global. Muitos artistas latinos compreendem bem essa universalidade e sabem atrair gostos globais.
Maluma: Como artistas, se uma porta se abre, é nosso trabalho garantir que ela permaneça aberta. Uma das experiências mais bonitas que tive foi em Israel no ano passado, onde toquei para mais de 17.000 pessoas. Eu não pude acreditar. Acho que o melhor ainda está por vir, e fazer parte desse movimento é uma oportunidade e uma honra. O que pode ser melhor para nós do que cantar em espanhol em todos os lugares onde quer que vamos?
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Billboard: As duas músicas que vocês fizeram juntos são muito sexy, mas ao mesmo tempo de muito bom gosto. Como você atinge esse equilíbrio?
Shakira: Não é premeditado ou calculado. Eu me conecto com uma música através da dança e do movimento. De um modo geral, é por isso que não trabalho com coreógrafos. Minha própria interpretação artística da música que eu crio é muito importante para mim. Nós tínhamos um roteiro para o vídeo de “Chantaje”, mas isso se originou do que eu estava fazendo com a parte da dança. Até as roupas dependiam da dança. Nunca há um esforço premeditado no que diz respeito a chocar. “Chantaje” é uma música super sexy, mas não há nada erótico no conteúdo lírico.
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Billboard: Maluma, suas músicas como “4 Babys” [Parte da letra traduzida “elas sempre me dão o que eu quero, foda-se quando eu digo não, nunca me dão problema”] provocaram muitas críticas. O que você tem a dizer sobre isso?
Maluma: Eu digo o que penso porque é assim que eu sou. Não gosto de fazer música pensando no que está funcionando na rádio no momento. Eu não gosto de lidar com tabus. Em um nível cultural, a música latina não se desenvolveu como a música americana. Se você ouvir rádio americana, as melhores músicas lidam com todos os tipos de obscenidades, e [minha música] “Felices los 4” não chega nem perto. Na América Latina, ver um artista que não é trap ou underground fazer uma música como “4 Babys” é um choque cultural. Mas também abriu a porta para outros artistas [latinos] irem além. Fui eu quem recebeu a crítica, que teve que lidar com todo o problema para que os outros artistas não fossem julgados do jeito que eu fui.
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Billboard: Sua base de fãs é majoritariamente feminina, mas sua música é provocativa. Em seus shows, você se apresenta com um grupo de dançarinas sensuais. Como você decidiu isso?
Maluma: A ideia é minha. Eu gosto de estar sempre envolvido em todos os aspectos da produção da minha carreira. Muitas mulheres vêm aos meus shows, mas também há homens que vêm. Minhas oito dançarinas são espetaculares. E os fãs masculinos que vêm ao meu show vêm para ver belas dançarinas.
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Billboard: Shakira, você está planejando ter belos dançarinos em seus shows?
Shakira: [risos] Eh, não. Eu não. Eu não terei lindos dançarinos masculinos. Desta vez, estou praticamente carregando todo o peso do show.
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Billboard: Ambos são símbolos sexuais. Que tipo de pressão isso coloca em vocês?
Shakira: Eu não me vejo como um símbolo sexual. É possível que muitas pessoas me vejam como um símbolo sexual e outras não. Outras pessoas me veem como alguém que as acompanhou em suas vidas com música, alguém de quem elas gostam. Alguns dias eu vou dizer: “Uau, eu sou gostosa.” Mas também tenho muitos dias de coque e moletom na minha vida. E acredito que todas as mulheres tenham esse lado camaleônico nelas. Nós somos um pouco mães, um pouco profissionais, somos sexy … todas as mulheres têm esse equilíbrio em qualquer idade.
Maluma: Eu não acordo de manhã, me olho no espelho e digo: “Eu sou um símbolo sexual”. Eu vou para a academia porque gosto de malhar, não para ninhas dançarinas me alisarem no palco. Acho que estou chegando a um momento incrível na minha carreira musical, onde estou procurando algo mais espiritual. E quando você não quer parecer um símbolo sexual, mas sim uma pessoa mais interessante, isso atrai as mulheres.
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Billboard: Maluma, você era um talentoso jogador de futebol de base que quase se tornou profissional. Você jogaria com Gerard Piqué (marido de Shakira e estrela do Barcelona)?
Maluma: Eu sou como um fã apaixonado. Eu vou criar um fã clube para o Gerard em Medellín. Eles me convidaram para assistir uma partida, mas espero que eles me convidem para treinar.
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Billboard: Shakira, você vai entrar em turnê depois de ter dois filhos. Como isso muda a maneira como você trabalha?
Shakira: Eu estou exausta o dia todo, verdade seja dita. Não é fácil, continuar uma carreira com intensidade e comprometimento e também ser a mãe dedicada que eu quero ser. Mas estou descobrindo isso passo a passo. Eles estão em uma idade espetacular – 3 e 5 anos de idade. Eu estou curtindo muito deles, e eles estão ansiosos para compartilhar minha vida na estrada. Eu vou levá-los comigo, mas sem deixar que isso os absorva demais. Você tem que encontrar um equilíbrio – para permitir que eles vivam suas vidas e não sejam absorvidos pela sua mãe celebridade.
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Billboard: O que a família significa para você, Maluma?
Maluma: Tudo. Eles são o meu motor, minha motivação. É por isso que eles estão comigo o tempo todo, mesmo quando estou em turnê. Às vezes meu pai, minha mãe ou minha irmã, mas eu sempre tento tê-los. Eu me sinto em casa quando estou perto deles. Um artista sem família não chega ao paraíso.
Para conferir a matéria e entrevista originais, clique aqui.