Shakira esteve no Qatar esta semana, quando participou da plenária da iniciativa Educate A Child na Cúpula Mundial de Inovação para Educação (WISE). Abaixo, traduzimos o discurso que ela apresentou no National Convention Center:
Bom dia vossa excelência, amigos e colegas.
Gostaria de agradecer pela oportunidade de estar aqui hoje. É também uma honra unir forças com Educate A Child, uma organização comandada por uma mulher que é um modelo de conduta incrível, uma mulher que mostrou dedicação incansável em levar todas as crianças para a escola. Este é um dia muito especial para nós porque marca o inicio de uma nova era no meu país natal, Colômbia. Muitos de vocês me conhecem como artista e como entertainer, e este de fato é o meu chamado e o que venho fazendo desde os 13 anos, mas nunca imaginaria quando comecei que meu trabalho como artista terminaria sendo um veículo para que eu servisse a meu propósito maior na vida que é trabalhar em favor de erradicar a pobreza através do poder da educação.
Como uma cidadã colombiana, desigualdade é um conceito com o qual todos infelizmente se tornam familiarizados desde muito cedo. É um país como muitos outros na América latina onde poucos têm muito, muitos têm quase nada e onde se você nasce pobre, quase certamente morrerá pobre, e onde as pessoas não têm acesso a oportunidade iguais. Por causa disso, geração após geração vivem presas no mesmo ciclo vicioso alimentado pelo preconceito e falta de ação.
Crescendo no meu país, quando tinha cerca de 8 anos me lembro de ver crianças da minha idade que ao invés de estarem na escola já trabalhavam nas ruas e andavam descalças no parque. Crianças como eu e cuja realidade era completamente diferente da minha apenas por causa das circunstâncias nas quais haviam nascido. Foi muito difícil para mim aceitar isso, aceitar que algo tão injusto não tinha uma solução. Tinha que haver algo que poderia ser feito. Eu frequentemente me perguntava porque os adultos ao meu redor eram tão resignados ao fato de que estas crianças, que eram como eu, ou mesmo seus próprios filhos, estavam vivendo em uma realidade paralela tão diferente e tão cruel. Como Kofi Annan disse, a pobreza é intolerável em um mundo em que há tanto. Então assim que obtive sucesso, a primeira coisa que quis fazer foi investir tantos recursos quanto pudesse em algo que posteriormente se tornaria o projeto mais importante da minha vida: trabalhar pelas crianças. Me pus a encontrar uma equipe de pessoas que sonhavam grande, trabalhavam duro e pensavam como eu para me ajudar a corrigir os erros que eu tinha observado durante toda minha infância. Foi quando minha fundação, a Fundação Pies Descalzos, nasceu. Eu sabia, e só tinha 18 anos, que queria focar nas crianças e melhorar suas vidas, mas não sabia onde começar. Eu achava que precisava aprender onde as raízes da desigualdade e baixa mobilidade social estavam, então decidi estudar as razões pelas quais crianças estavam trabalhando nas ruas, por que algumas eram recrutadas por organizações violentas, como os paramilitares ou as guerrilhas, por que havia tantas crianças sofrendo de desnutrição crônica e percebi que a maioria dos problemas que as crianças enfrentavam no meu pais tinha e têm um denominador em comum, que é a falta de acesso a educação de qualidade. Para mim, se tornou claro que a educação era o caminho mais curto para dar a todas estas crianças a melhor chance de lutar para melhorar suas situações na vida, porque a educação é um grande igualador. Quando comecei a construir escolas na Colômbia, escolhemos as áreas mais remotas, onde não havia literalmente nada: nenhuma infraestrutura, pavimento, eletricidade, água potável, e decidimos construir naqueles lugares, mas não apenas construir escolas, mas escolas que eram obras de arte, escolas com modelos amplos que incluíam programas de desenvolvimento infantil precoce, programas de alimentação escolar, instrução para pais e professores e, outra parte muito importante, decidimos envolver o governo com um parceiro estratégico, tornando quase impossível que se recusassem em fazer sua parte apresentando resultados através de nosso modelo holístico que realmente funcionava comprovadamente.
Percebemos que assim que uma escola é construída naqueles lugares, tudo se transforma. As melhorias na infraestrutura eram de deixar o queixo caído. Eletricidade e água potável se tornavam disponíveis e acessíveis, ruas eram pavimentadas, a desnutrição melhorava. Mas a melhor parte de todas era os resultados acadêmicos. As crianças respondiam de verdade do ponto de vista acadêmico, e agora aquelas crianças que poderiam ter sido recrutadas pelas guerrilhas ou pelos paramilitares ou que poderiam ter tido um destino completamente diferente para suas vidas, agora eles estão a caminho da faculdade e triunfando em suas comunidades. Alguns são atletas, outros são profissionais.
É por isso que é uma emoção trabalhar com educação. É por isso que sou tão apaixonada por isso, porque já vi resultados de verdade que são tão palpáveis quanto este púlpito. E ver todas estas histórias de sucesso que têm nome e sobrenome tem sido uma das coisas mais recompensadoras que já fiz na minha vida, até mais do que ganhar Grammys, eu acho. Agora, dito isto, nosso trabalho está longe de estar concluído. Muitos, muitos países em desenvolvimento estão cheios de desigualdade e conflitos internos e há muitas crianças que ainda precisam ser alcançadas. A história não é apenas o passado, história é feita todo dia no presente e o que importa agora é como avançamos para o futuro e como consertamos o que está errado – este é o verdadeiro desafio. Este é o propósito dos objetivos de desenvolvimento sustentável, e o motivo pelo qual pessoas como vossa alteza, eu e muitos de vocês, que são comprometidos com conquistas, estamos aqui. Os fatos não mentem e números mostram o retorno incrível ao investimento que educação de qualidade oferece. Por exemplo, se todos os alunos de países de baixa renda saíssem da educação básica com habilidades de leitura básicas, 171 milhões de pessoas poderiam sair da pobreza. Mudança sistêmica quase sempre começa de baixo para cima e não de cima para baixo. O governo deve assumir responsabilidade e todos nós devemos colocar o máximo de pressão que podemos, mas o resto de nós, a sociedade civil, também deve fazer sua parte.
O que descobrimos tanto na Pies Descalzos quanto na Educate A Child é que muitas vezes apenas uma única barreira, como falta de acesso a transporte ou necessidades básicas como um banheiro, pode impedir uma criança de ir a escola ou até mesmo colocá-la em risco de evasão. Às vezes tudo o que é necessário para garantir a vida de uma criança é a segurança de uma refeição quente na escola ou a facilidade de poder subir em um ônibus que a deixará em segurança na porta de sua sala de aula. É simples assim. Estas são intervenções simples e que não custam muito. O esforço maior, de verdade, é em mapear as comunidades e ir de porta em porta buscando crianças fora da escola, conversar com os pais, conversar com as famílias. Dar um nome e uma história para estas crianças é o primeiro passo para começar a reescrever suas histórias. Ao longo dos próximos 3 anos, nós pretendemos incluir 54 mil crianças que estão fora da escola ou em risco de abandono escolar no sistema educacional. Como objetivo final, mais de 297 mil pessoas vão se beneficiar deste projeto, incluindo crianças, professores, famílias e membros da comunidade. Novas escolas e salas de aulas serão construídas, kits escolares e uniformes serão distribuídos, crianças serão inscritas em programas de alimentação e transporte, professores serão treinados em estratégias de como identificar aqueles alunos que estão em risco, para que possam receber apoio psicossocial e estamos extremamente confiantes que esta parceria é apenas o começo e será o modelo a ser replicado através do meu país até que nenhuma criança esteja fora da escola. Esta é a nossa responsabilidade com nossas crianças e nossa dívida a pagar para as gerações que vierem.