Shakira publica artigo na revista Time atacando política imigratória de Trump

Sob o tema “545 pais de crianças estão desaparecidos e o silêncio é ensurdecedor”, cantora faz críticas contundentes aos atos migratórios do governo Trump, às vésperas das eleições norte-americanas

Da Redação – Shakira sempre foi uma cidadã global e, como Embaixadora da Boa Vontade da UNICEF desde 2003, está atenta aos problemas que atingem o mundo, principalmente quando se trata de assuntos relacionados à primeira infância. Às vésperas das eleições presidenciais norte-americanas, a cantora publicou hoje (30) na revista Time, uma das de maior prestígio nos EUA, um longo artigo apontando o dedo sem meios termos e mexendo na ferida de um dos assuntos mais polêmicos na corrida à Casa Branca: as políticas de imigração.

A cantora cita um problema em particular, a separação das crianças de seus pais, na fronteira sul dos EUA, que virou notícia no mundo durante a administração do então presidente e candidato à reeleição, Donald Trump. Confira o artigo traduzido para o português pela redação do Shakira Brasil (SBR).

“545 pais de crianças estão desaparecidos e o silêncio é ensurdecedor”

Shakira é uma artista vencedora do Grammy, ativista, Embaixadora da Boa Vontade do UNICEF e fundadora da Fundação Pies Descalzos

Sou filha de um nova-iorquino que nasceu de imigrantes libaneses em meio à grande depressão econômica da década de 1930, imigrantes que, graças à entrada nos Estados Unidos, conseguiram construir uma base sólida para si e sua família antes de finalmente se estabelecerem na Colômbia, onde nasci e cresci.

A Colômbia é um dos países mais bonitos e diversificados do mundo, mas repleto de desigualdades e falta de mobilidade social. A América, em contraste, me pareceu um lugar que sempre foi apresentado como um modelo de oportunidades iguais e aspirações ilimitadas, onde qualquer um poderia ter sucesso.

Como, então, uma nação construída sobre os ombros de imigrantes, que alega ter os valores familiares em tão alta consideração, poderia ter políticas de imigração tão inimaginavelmente cruéis? Que razão poderia justificar a separação dos filhos de suas famílias, sem a intenção de reuni-los, quando os EUA se orgulham de ser um farol de esperança para quem vem de lugares onde nem as necessidades básicas ou a segurança são uma garantia?

Na “terra dos livres”, existem 545 crianças agora presas na terra de ninguém, em risco de crescer sem mãe ou pai, 545 crianças que têm que ir dormir sem alguém que lhes assegure que não estão em perigo a qualquer momento, 545 crianças que não conseguem abraçar, rir ou ter qualquer contato com as pessoas que mais amam.

Estima-se que 60 dessas crianças tinham menos de 5 anos quando foram separadas dos pais pela primeira vez. Como mãe, penso em meu filho mais novo, que agora tem 5 anos. Penso em como ele chora por mim quando machuca o joelho e na dor que sinto se não estiver ali para confortá-lo. Quem responde ao choro das crianças que ficaram sem os pais? Não consigo imaginar a dor que sentiria por não saber onde meu filho estava e se ele estava seguro, ou o medo do que essas crianças suportam e as cicatrizes emocionais que são infligidas a elas.


Políticas como a separação da família nascem da crueldade. Quando li sobre as alegações de mulheres submetidas a histerectomias forçadas, requerentes de asilo supostamente assinando suas próprias ordens de deportação sob ameaça de perigo e pais tendo seus filhos chorando arrancados de seus braços, isso mostra como políticas como essas podem privar as pessoas até mesmo do mais básico senso de humanidade. Esta política não visa proteger as pessoas ou tornar as comunidades mais seguras. A indescritível tragédia que está ocorrendo na fronteira sul da América é sobre o ódio e a negação dos direitos humanos básicos.

Toda criança merece ter suas necessidades básicas satisfeitas, receber educação e estar rodeada de adultos atenciosos e protetores. O trauma que essas crianças estão experimentando a cada segundo que permanecem separadas dos pais permanecerá com elas por toda a vida. E de acordo com quase 7.700 profissionais de saúde mental que assinaram uma petição instando o presidente Donald Trump a acabar com a separação familiar, esta política mostra um completo desprezo por tudo o que sabemos sobre o desenvolvimento infantil, o cérebro e o trauma.

Alguns podem argumentar que os pais colocaram seus filhos nesta situação, mas muitas famílias que vêm para os EUA estão fugindo da violência, pobreza, perseguição ou catástrofes climáticas em seus países de origem. A decisão de sair de casa não é fácil, como pode comprovar quem já saiu de casa. É revelador que alguns dos pais que foram localizados fizeram a escolha quase impossível de manter seus filhos com amigos ou familiares nos EUA “devido ao medo do que acontecerá com seus filhos” se eles voltarem para casa.

Isso não é sobre politica. Simplesmente não há justificativa para o dano causado a essas crianças inocentes, e as pessoas responsáveis por essa política cruel devem ser responsabilizadas.

Se já houve um momento para mostrar maior compaixão pelos imigrantes em nossas comunidades, é agora. Durante uma pandemia que já nos custou muito, os imigrantes são frequentemente aqueles que estiveram na linha de frente, realizando o trabalho essencial para nos manter saudáveis e seguros – muitas vezes em condições perigosas e por salários muito baixos. A última coisa que eles merecem é ter suas famílias separadas.

Todo esforço deve ser feito para encontrar e reunir as famílias que foram separadas. Sou grato aos advogados da ACLU que trabalharam incansavelmente para localizar esses pais. Para evitar que isso aconteça novamente, precisamos de um sistema de imigração justo e humano que honre o compromisso com os requerentes de asilo e reconheça a humanidade básica de cada um de nós.

Falar nem sempre é fácil, especialmente quando não se é um cidadão americano e pode ser visto como um estranho comentando sobre as políticas domésticas. No entanto, as decisões dos Estados Unidos afetam a todos nós, ainda mais quando a vida das crianças está em jogo. Portanto, torna-se uma responsabilidade comum e urgente compartilhar as histórias dessas famílias, não importa de onde sejam, manter seus nomes nas notícias e reuni-los novamente. Agora não é hora de ficar em silêncio.

Para ler o artigo original em inglês, clique aqui.

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