Levi Tavares – O ano começou e todos os bons ventos sopravam a favor de Shakira. Ela havia acabado de lançar, em cinemas de todo o mundo, o registro audiovisual da sua aclamada turnê El Dorado. O planeta todo esperava com ansiedade sua apresentação no show de intervalo do Super Bowl, ao lado de Jennifer Lopez. Aproveitando, ela lançou uma parceria pegajosa com o porto-riquenho Anuel AA, como uma espécie de aperitivo para o que ela preparava para este 2020.
Fevereiro chegou e, no dia em que completou 43 anos de vida, a colombiana entregou um um espetáculo épico no centro do Hard Rock Stadium em Miami e a vimos “brilhar em todo o seu esplendor”. Todos os holofotes estavam sobre ela. O engajamento nas redes sociais foi monstruoso. Com mais de 2 milhões de menções no Twitter, por exemplo, ela conseguiu superar o próprio evento. O reflexo também foi sentido nas plataformas digitais. O clássico “Whenever, Wherever” (2001) foi parar direto no topo do iTunes dos EUA, além de colocar outras duas músicas no Top 10. No Spotify, “Hips Don’t Lie” (2006) entrou pro ranking das mais executadas no país pela primeira vez e a música debutou no chart das 100 canções da Rolling Stone com melhor desempenho da semana na Terra do Tio Sam. Ela ainda colocou dois álbuns de volta na parada da Billboard. O show de intervalo se transformou no mais visto do Youtube logo nas primeiras horas no ar, com a crítica aclamando a versatilidade e o apelo multicultural do seu espetáculo. Como disse a Forbes, “Shakira venceu o Super Bowl”.
Na esteira desse sucesso arrebator, a Live Nation anunciou uma turnê mundial da cantora para o ano seguinte e convidou os fãs norte-americanos para o cadastro da pré-venda. A adesão foi maciça, mas logo veio a frustração. A pandemia provocada pelo novo coronavírus colocou o mundo todo em isolamento social sem precedentes na história moderna. E os planos que a estrela latina tinha para este ano foram por água abaixo. Shakira, que tinha um álbum no forno, não lançou mais nada para o sucessor de El Dorado e deixou os fãs em modo de espera. E como na indústria moderna “quem não é visto, não existe”, o esperado era que seu nome desaquecesse e seus números tivessem um declínio acentuado. Mas na contra-mão da fórmula dos executivos de plantão, a colombiana segue mantendo seu catálogo em evidência, com números de causar inveja nos artistas que lançam material inédito semana a semana. Qual a mágica de Shakira?
Por dentro dos números
Shakira é uma máquina de fazer streaming. Nos últimos 12 meses, foram mais de 3 bilhões de visualizações nos vídeos do seu catálogo no YouTube, segundo dados consolidados da própria plataforma. Só para se ter a dimensão desses números, ele representa mais que todo o catálogo de artistas como Doja Cat, Bebe Rehxa, Kendrick Lamar, Halsey, Christina Aguilera, Rosalia e Lil Nas X. Mesmo tendo lançado apenas uma música inédita, a colombiana conseguiu, no período, desempenho superior ao de suas colegas norte-americanas que lançaram disco este ano, como Lady Gaga, Katy Perry e Taylor Swift.
No Spotify, o serviço de streaming de áudio mais popular do planeta, a estrela também segue brilhando. Com cerca de 27,7 milhões de ouvintes mensais, ela é a 73° artista no ranking geral da plataforma. Shakira ainda ostenta impressionantes 19.969.638 seguidores. Seus sucessos de outras eras continua despertando interesse do público em geral, com canções como “Hips Don’t Lie”, “She Wolf”, Whenever Wherever”, “Waka, Waka” e “Inevitável”, recendo fluxos diários consideráveis, com destaque para as duas primeiras que recentemente voltaram a figurar entre as 200 mais ouvidas do dia em múltiplos mercados.
Afinal de contas, qual a mágica de Shakira para exibir números tão robustos?
Legado! Uma das explicações possíveis é a atemporalidade dos seus clássicos. Shakira conseguiu o que poucos artistas conseguem: imortalizar canções na história da cultura pop global. Faixas como Hips Don’t Lie e Waka Waka (This Time for África) transcederam o tempo e continuam a ganhar popularidade entre as diversas gerações de ouvintes, principalmente os mais jovens. São faixas que não ficaram datadas e que facilmente poderiam soar originais se lançadas hoje.
Ela é global. Outra explicação reside no fato da colombiana ser uma das poucas artistas verdadeiramente globais. Ela não depende de um único grande mercado, como os EUA, para garantir grandes fluxos. Seu catálogo rapidamente capta ouvintes em diversos cantos do planeta. E Shakira tem um grande trunfo nas mãos: ela é um verdadeiro fenômeno em mercados emergentes, que por anos a fio foram ignorados pela grande indústria e que agora na era do streaming são os que mais crescem em consumo de música licenciada no mundo, segundo a IFPI. Países como México, Índia, Brasil e Argentina passaram a responder por bilhões e bilhões de fluxos sob demanda que alimentam gravadoras mundo a fora e atraíram a atenção dos executivos da indústria nos últimos três anos. E boa parte dos números de Shakira vem de mercados emergentes como este, além da boa penetração nos grandes mercados tradicionais como EUA, França, Itália, Alemanha e Espanha.
E, por fim, sua facilidade de adaptação. Shakira não se deixou ser atropelada pelas inovações do mercado. Sempre antenada, a cantora se cercou de uma equipe multifuncional que usou a tecnologia a seu favor. Ela se adaptou bem à transformação da era física para era digital, da digital para a era do streaming. E a sua forte presença online é um fator determinante para sua sobrevivência no topo da indústria. Redes sociais e aplicativos de interação são ferramentas que ela têm aproveitado para continuar construindo e fortalecendo sua relação com o público e por consequência mantendo sua música na memória da audiência. O Tik Tok, por exemplo, é o aplicativo queridinho dos jovens no momento e já ajudou a popularizar músicas de diversos artistas. Shakira tem sido bastante atuante na aplicação e isso tem surtido efeitos nas suas faixas em outras plataformas, com as coreografias e challenges (os famosos desafios) de canções como Hips Don’t Lie, Waka Waka e Changaje viralizando. O mesmo ela fez com redes e recursos como Boomerang, Filtr e Viber.
Assim, mesmo sem lançamentos recentes dificultados pela pandemia, ela manteve a proximidade com os fãs aumentando sua presença online, trabalhando sua imagem positiva ao se aliar a projetos sustentáveis, escolhendo a dedo as lives que participou e usando as inovações do mercado a seu favor. Shakira tem reinado absoluta por décadas e, mesmo quando as intempéries parecem ameaçar seu trono, ela se mantém inabalável remando rumo ao sucesso. Ainda não sabemos como será o novo normal no mundo pós pandemia, mas é certo que Shakira vai continuar mantendo sua audiência cativa, fiel e em constante crescimento.