Shakira fala sobre turnê, hits recentes, novas músicas e muito mais com a Billboard EUA

Shakira é a capa da revista Billboard de setembro nos Estados Unidos, e além de fotos incríveis feitas por Ruven Afanador e um vídeo onde relembra sua trajetória de hits nas paradas de sucesso, a colombiana também abriu seu coração em uma longa e íntima entrevista para a famosa jornalista Leila Cobo.

Confira o conteúdo completo da matéria publicada pela revista traduzido para o português exclusivamente pelo Shakira Brasil:

Shakira entra em uma luxuosa suíte no andar de cima da mansão Versace, em Miami Beach, vestindo jeans de cintura alta, uma camiseta larga e um boné de beisebol puxado para baixo sobre a testa, o cabelo puxado para trás em um emaranhado de tranças loiras sujas. Longe das câmeras, seu rosto está praticamente desprovido de maquiagem, exceto rímel, e seus olhos estão arregalados sobre maçãs do rosto proeminentes. De pele clara, pouco mais de um metro e meio de altura e calçando tênis, ela parece jovem e quase frágil – muito longe da mulher poderosa e irada que interpretou em suas recentes canções e videoclipes de enorme sucesso.

Ainda estou em um período de reflexão”, diz ela pensativa. “Ainda estou exorcizando alguns demônios. O último que me resta”, acrescenta ela com uma gargalhada.

Uma das estrelas mais reconhecidas e celebradas do planeta, Shakira também é notoriamente meticulosa, uma perfeccionista conhecida por deixar pouco ao acaso. Mas nos últimos 14 meses, a jogadora de 46 anos jogou ao vento convenções, expectativas e sua própria marca pessoal de celebridade impulsionada pelo fascínio após sua infame separação do astro do futebol espanhol Gerard Piqué, seu parceiro de mais de uma década e pai de seus dois filhos, Milan, 10, e Sasha, 8. Coberta impiedosamente pelos tabloides espanhóis, em meio a alegações de infidelidade por parte de Piqué, a separação foi imortalizada quando Shakira gravou “Bzrp Music Sessions, Vol. 53” com o DJ argentino Bizarrap, uma faixa incendiária em que ela fez uma proclamação que se tornou um mantra feminista global: “As mulheres não choram, as mulheres faturam”. A música alcançou o segundo lugar na Billboard Global 200.

Mas perdido entre tanta cobertura dos tabloides, os quarto recordes no Guinness World Records que “Sessions” conseguiu e muitos feitos na Billboard (inclusive a primeira artista feminina a estrear no top 10 do Billboard Hot 100 com uma faixa em espanhol) estava o fato de que, entre maternidade e paz conjugal em Barcelona, já havia quase uma década que Shakira não alcançava qualquer coisa perto do sucesso que tinha no passado. Seu último #1 no Hot Latin Songs chart foi “Chantaje,” com Maluma, em 2016.

Este ano ela já conseguiu dois #1 na parada: “Sessions” e “TQG,” com Karol G. (as duas também alcançaram o top 10 do Hot 100 e “TQG” chegou no Billboard Global 200) e nos últimos 12 meses ela colocou 6 hits na parada, todas com referência a sua separação e as emoções que ele gerou, desde ódio intenso até mágoa profunda e esperança boba.

Por mais torturador que o processo de colocar estas emoções em música tenha sido, o resultado é que a agora mãe solteira de dois é mais uma vez uma das artistas mais populares do planeta em qualquer língua, com planos para um disco em 2024 e uma turnê global, respectivamente os primeiros desde `El Dorado`, de 2017 e sua turnê correspondente em 2018

A ironia de o período mais tumultuado de sua vida pessoal serve como renascimento para sua carreira não passa desapercebido para Shakira.

Me sinto como um gato com mais de 7 vidas. Sempre que sinto que não tenho mais para onde ir, ganho um novo fôlego”, ela diz. “Passei por diversos estágios: negação, raiva, dor, frustração, raiva de novo, dor de novo. Agora estou em um estágio de sobrevivência. Tipo, só mantenha a cabeça for a da água. E é também um estágio de reflexão. E um estágio de trabalhar muito e quando eu tenho tempo com meus filhos, ficar com eles de verdade”.

Shakira sempre foi claramente eloquente. Tanto em seu espanhol nativo quanto no inglês que aprendeu quando adulta ao fazer o cross over ao pop mainstream. Durante uma conversa, ela pula entre as duas línguas de maneira quase reflexiva conforme busca pela palavra exata, expressando de maneira bilíngue um senso de humor torto e às vezes autodepreciativo – e uma sinceridade que é notável para uma artista tão observada.

Na mansão Versace, ela se senta de pernas cruzadas em uma grande poltrona azul. Ela pede café preto, foi uma longa noite no estúdio, seguida por uma manhã levando as crianças cedo para a escola. Ela é louca por chocolate e logo uma bandeja é servida cheia com uma variedade de barras e bombons. Ela come um com vontade e depois outro, fala livremente sobre filhos, vida, perda, rindo frequentemente e pausando para atender uma ligação de Sasha, que está em sua primeira semana de escola depois das férias de verão e na casa de um amigo.

Meu amor, lembre-se de limpar o prato, lavar as mãos e agradecer depois de comer”, Shakira lembra. Ela parece uma mãe regular, lembrando os pés no chão que lhe ganharam tantos fãs.

“Alcançar sucesso é sem dúvidas complicado, mas muito mais complexo é mantê-lo ao longo do tempo. Shakira já demonstrou milhares de vezes que ela pertence a este seleto grupo. Toda vez que ela lança uma música ou um álbum, sua sombra é enorme de novo”, diz o chairman e CEO da Sony Music Latin Iberia, Afo Verde, um confidente que tem trabalhado bem de perto com ela através dos anos, especialmente desde maio, quando a estrela colombiana se mudou de Barcelona para Miami.

Desde então, ela tem passado a maioria dos dias no número 5020, o moderníssimo estúdio de gravação e espaço de ensaio da Sony em Miami, trabalhando com um fluxo contínuo de mentes criativas que inclui o produtor/compositor Edgar Barrera, que colaborou com Maluma, Peso Pluma e Grupo Frontera, entre outros.

De todos os artistas com quem já trabalhei, ela é a mais perfeccionista, a mais meticulosa”, diz Barrera, que trabalhou em diversas faixas com ela, incluindo “Clandestino”, com Maluma. “Ela sabe exatamente o que quer e o que não quer. Ela pede coisas como a mudança de frequência em uma batida. Depois de trabalhar com ela, entendo por que ela está onde está e porque esteve no #1 tantas vezes”.

Para Verde, a proximidade com Shakira o ajudou a apoiar seu processo criativo de um modo que acelerou enormemente sua entrega. “Ela é um dos poucos casos no mundo que, apesar da passagem do tempo, continua trabalhando com a mesma animação, qualidade, respeito e atenção para detalhes que ela teve no começo. Ela trabalha com qualquer um que faça sentido para seus objetivos artísticos sem se importar se é alguém estabelecido ou em ascensão. Para ela, arte vem antes.

A título de nota: Fuerza Regida, o quinteto mexicano do sul da Califórnia que conseguiu cinco entradas nos hot 100 no último ano com sua abordagem impetuosa e intimista da música nortenha, mas ainda está longe de ser um nome estabelecido. Quando a equipe de Shakira contatou o vocalista JOP em julho para ver se ele estaria interessado em colaborar na recente “El Jefe”, o jovem de 26 anos estava num avião para Miami no dia seguinte sem ter ouvido uma única nota da faixa.

É Shakira! Entende o que quero dizer??” diz JOP. “Não tem mais nada a ser dito. Cresci ouvindo Shakira e depois de todos os desafios para chegar onde estou agora, colaborar com uma das maiores artistas do mundo… é loucura!

Em maio, a Billboard homenageou Shakira como a primeira Mulher do Ano. Em julho, os Premios Juventud deram a ela o prêmio de Agentes de mudança e em setembro ela recebeu o prêmio Michael Jackson Video Vanguard Award no MTV Video Music Awards, onde também apresentou um alucinante medley de 10 minutos de seus hits.

Ainda assim, ela admite, nos últimos sete anos esteve distraída com assuntos familiares e a vida em Barcelona, longe da ação da indústria musical. Isso mudou um pouco mais de um ano atrás, quando ela se separou de Piqué e começou a colocar seu coração na música de maneira catártica. Diversos marcos vieram em rápida sucessão. “Te Felicito”, com Rauw Alejandro, alcançou #10 no Hot Latin Songs e No. 67 no Hot 100 em maio e junho de 2022, respectivamente. Em novembro, “Monotonía”, com Ozuna (o vídeo mostra o coração de Shakira ser literalmente arrancado de seu corpo e pisoteado na calçada), alcançou #3 no Hot Latin Songs e este ano, “Sessions” e “TQG” brilharam em popularidade.

De repente, Shakira não era mais uma celebridade distante, mas uma das artistas mais reproduzidas no planeta (no momento da publicação, ela era a artista latina mais reproduzida de todos os tempos no Spotify).

Simultaneamente, Shakira — que essencialmente pilotou o conceito de turnê global na cena latina e fez história quando co-estrelou o Super Bowl 2020 com Jennifer Lopez — reaqueceu conversas sobre pegar a estrada. Embora os detalhes ainda sejam um mistério, sua próxima turnê, diz o music partner da WME, Keith Sarkisian, incluirá shows em estádios e arenas em pelo menos duas dúzias de países pela América latina, América do Norte, Reino Unido, Europa e Oriente Médio.

Shakira se estabeleceu como uma artista memorável nos últimos 20 e poucos anos”, diz o CEO e presidente da Live Nation, Michael Rapino, cuja relação com a cantora remonta a sua oral Fixation Tour em 2007. “Ela conquistou uma fanbase global massiva através de suas performances cativantes e mescla única de pop, rock e influências latinas e globais. Mal podemos esperar para vê-la nos palcos ao redor do mundo para sua maior turnê até agora”.

Shakira concorda. “Acho que esta vai ser a turnê da minha vida. Estou muito animada. Só acho”.

Primeira ordem do dia: as crianças estão felizes na escola?

Estão indo muito bem, estão adorando. Em Barcelona, carregavam o peso de ser “os filhos de…” e a situação da imprensa era difícil par eles. Tínhamos paparazzi na porta de casa todo dia. Aqui, eles são crianças normais e curtem a normalidade, que é o que escola deveria ser: um espaço seguro onde podem ser eles mesmos. E porque eles são sociáveis e muito abertos, foi fácil se adaptarem.

Você se adaptou?

Ainda estou no processo! (risos.) Perdi um pouco da minha plasticidade mental com o tempo. A última vez que morei aqui eu tinha 21 anos. Miami mudou. Não tinha tanto transito antes.

Você ainda curte dirigir?

Sim. Ainda dirijo sozinha. Dirijo um carro de mãe de time de futebol: um Toyota Sienna. Nada sexy. Não tem nenhum carro sexy na minha casa. A única coisa sexy na minha casa sou eu (risos)

Tenho visto você sair muito. Não sabia que você era essa borboleta social.

Nem eu! Não sabia porque [antes] eu tinha preguiça de sair de verdade. Meu look favorito é meu pijama. Mas meus filhos são grandes fãs do Miami Heat. Milan é fã de todo tipo de esporte, então tenho que levá-lo aos jogos de futebol, aos jogos de basquete, aos jogos de hockey. Nunca na minha vida fui para tantos eventos de esporte. E então, quando estão com o pai, eu trabalho desde de manhã até a noite e então tomo uma margarita com minhas amigas.

Seu estilo de vida mudou drasticamente do ano passado para cá?

Dramaticamente. Tirando o fato de que ainda é drama, gasto meu tempo com eles de verdade. Por exemplo, este verão, o tempo que eles passaram comigo eu devotei inteiramente a eles. Eu não trabalhei e eles não foram para acampamento. Eles foram para o acampamento Shakira. Se eu só posso tê-los metade do tempo, vou tirar o máximo da minha metade.

Como isso afeta sua música?

Agora que eu passei uma semana em Los Angeles, por exemplo. Eu fiz tudo: estúdio, trabalho, reuniões, trabalho, trabalho, trabalho até tarde, aí me encontrei com minhas amigas que não via há um tempo e saí à noite como antigamente (risos). Eu coloquei tudo, trabalho e laser, na mesma semana, mas muito compactados por que aí eu preciso voltar e ser mãe de novo, a chefe da casa e aí não posso fazer nada porque tenho as crianças comigo o tempo todo. No que diz respeito a música, ainda vem de um lugar muito reflexivo.

Mas o lado positivo de tudo o que você tem passado é que você tem lançado parte de seu trabalho mais bem-sucedido em anos. Você concorda?

Bom, o fato é: eu estava dedicada a ele. À família, a ele. Era muito difícil atender minha carreira em Barcelona. Era complicado do ponto de vista logístico levar um colaborador até lá. Precisava esperar as agendas coincidirem ou alguém se prestar a vir. Não podia deixar meus filhos e simplesmente ir para algum lugar para fazer música fora de casa. Era difícil manter o ritmo. Às vezes eu tinha ideias que não conseguia realizar. Agora, eu tenho uma ideia e posso imediatamente colaborar com quem quiser. Uma coisa inescapável sobre Miami, Los Angeles, os Estados Unidos em geral, é que eu tenho o suporte logístico e técnico, as fontes, as ferramentas, as pessoas. Morando na Espanha, tudo isso estava em pausa.

Eu não tinha pensado nisso desta maneira…

É por isso que minha carreira era a terceira prioridade. A última vez que lancei um álbum foi seis anos atrás. Agora posso lançar música num ritmo mais rápido, embora às vezes eu pense que o ritmo de uma pop star e de uma mãe solteira não são compatíveis. Preciso colocar meus filhos na cama, ir para o estúdio de gravação. Tudo é mais difícil. Quando não tenho um marido que possa ficar em casa com as crianças, é um malabarismo constante, porque eu tenho que ser uma mãe presente e estar lá todo momento para meus filhos: levá-los à escola, tomar café da manhã com eles, levá-los para brincar com os amigos. E além disso, preciso ganhar dinheiro.

É muito complicado ser uma mãe que trabalha – somos ensinadas que temos que fazer tudo, mas alguma coisa sempre sofre. O que você acha?

Não vou para a academia há um ano. Bom, fui algumas vezes. Não sei quando foi a última vez que recebi uma massagem. Eu tenho torcicolo! Algum lado tem que pagar. Meu pescoço, minhas câimbras. É o que custa. É difícil fazer tudo.

Antes que isso tudo acontecesse, você estava preocupada em lançar música nova, ou você estava feliz com seu ‘Barcelona state of mind’?

Minha prioridade era minha casa, minha família. Eu acreditava em “até que a morte nos separe”. Eu acreditava e tinha aquele sonho para mim, para meus filhos. Meus pais estão juntos, sei lá, há 50 anos, e eles se amam como se fosse o primeiro dia, com um amor que é único, então eu sei que é possível. Minha mãe não sai do lado do meu pai. Eles ainda se beijam na boca, esse sempre foi meu exemplo. Era o que eu queria para mim e para meus filhos, mas não aconteceu. Se a vida te dá limões, você tem que fazer uma limonada. É isso que estou fazendo: limonada.

Me fale sobre seus próximos singles. Você tem colaborado com todos os artistas latinos ultimamente. É uma decisão calculada?

Tem sido muito orgânico. Vou lançar coisas novas em setembro e talvez em novembro. O novo single é uma colaboração com Fuerza Regida. É um ska mexicano e tem um som muito fresco, muito original, muito punk de certa maneira. Tem muita energia. A música se chama “El Jefe” [“o chefe”], e é sobre o abuso de poder. Nós tínhamos a música e pensamos “quem podemos chamar para isso? ” e pensamos em Fuerza Regida. A voz de JOP é muito especial. Escrevemos para ele e ele voou no dia seguinte de Los Angeles e gravamos em três dias.

[Com relação a “TQG” com Karol G], Karol está passando por uma fase boa, além disso estávamos as duas passando por términos públicos que têm um denominador comum. Isso inspirou a música, na qual nós duas trabalhamos. É um projeto no qual acreditei desde o começo, e por isso investi tanto tempo nele.

Esta foi uma colaboração muito bem-sucedida e muito esperada. Você diria que destinou mais tempo e recursos a `TQG` do que a outros singles recentes?

Bom, o vídeo com Ozuna [para `Monotonía’] também foi minha ideia. A maioria dos vídeos eu acabo codirigindo, coescrevendo e mesmo desenhando os objetos com o departamento de arte. Eu me envolvo em tudo mesmo porque acredito que o mundo audiovisual também expressa um lado muito onírico e se conecta com a música a partir do subconsciente. Ele permite que o subconsciente fale. Quando estou fazendo um vídeo, fecho meus olhos e sonho.

Com isto em mente, porque uma sereia em seu vídeo recente para “Copa Vacía” com Manuel Turizo?

Porque a sereia representa esta parte de mim que foi abduzida e tirada de um mundo ao qual ela pertencia para um mundo ao qual ela não pertencia. Um mundo no qual ela tinha que fazer um sacrifício enorme para estar. Mas no fim ela volta para o mar, porque é seu destino, assim como eu voltei para Miami (risos). A sereia primeiro é sequestrada e depois, por amor fica ao lado desse homem, presa, sacrificando seu próprio bem-estar e o que é natural que ela ame. E no fim, ela termina jogada no lixo cercada por ratos.

Isso é intenso.

Não é? E não sei se você sabia disso, mas tem ratos de verdade ao redor de mim no vídeo. Porque, acredite, ainda estou cercada de ratos. Mas cada vez menos e menos. Isso tem sido uma grande parte do que tenho feito neste último ano: limpar a casa, exterminar os ratos.

Mas sua música voltou. Este é o lado bom.

Sempre tem um lado bom. A vida sempre dá um jeito de compensar de alguma maneira. Em um ano, eu perdi o que eu mais amava, a pessoa em quem em mais confiava, meu melhor amigo: meu pai. Ele perdeu muitas funções neurológicas como resultado de um acidente que sofreu em Barcelona [uma queda em junho de 2022]. E ele foi para Barcelona precisamente para me consolar, para me dar apoio no momento da minha separação. Pensei “como podem tantas coisas acontecerem comigo em um ano? “Mas é a vida.

Daí minha música também ganhou novos voos e acredito que seja o modo como a vida equilibra. Você tira de um lado e dá do outro. É matemática pura. Na minha sétima vida, te digo qual é o total. Às vezes acredito que felicidade não é para todo mundo. Felicidade é um luxo, um bem. Algumas pessoas nasceram para serem felizes, servir à comunidade, eu não sei.

Você está feliz agora?

É uma pergunta muito curta para uma resposta muito longa. Não acredito que todo mundo tem acesso à felicidade. É reservado para um grupo muito seleto de pessoas e não posso dizer que faço parte do clube neste momento. Há momentos de felicidade, distração, momentos de reflexão. Também há momentos de nostalgia e minha música se alimenta deste coquetel.

Obviamente você não planejou nada disso. Você não estava procurando um #1, estava procurando uma válvula de escape, certo?

Exatamente. Estava procurando entender e organizar minhas emoções em busca de catarse.

Em 2021, você vendeu os direitos de publicação do seu catálogo de 145 músicas na época para o Hipgnosis. Por que?

Me dou muito bem com Merck [Mercuriadis]. Ele é um especialista em musicologia que conhece meu catálogo intimamente desde a primeira música que escrevi, quando tinha 8 anos de idade. Sei que minhas composições estão nas melhores mãos sob a custódia dele e estou muito feliz. Estão fazendo um bom trabalho. Se você vende seu catálogo, quer saber que é para alguém que valoriza e conhece sua música.

Está preocupada com a inteligência artificial?

Me mostraram como minha voz soa com IA. Mas não acho que acertaram ainda. Não me escuto lá. A letra E, por exemplo, parece minha voz, mas não as outras 4 vogais. Acho que vai ser difícil para IA me imitar. E tenho coisas mais importantes com que me preocupar agora. Minha maior preocupação é como Milan praticar futebol Americano, futebol e baseball na mesma semana.

Sei que você está planejando sair em turnê no ano que vem e vi fotos suas no show de Beyoncé. Você parecia estar se divertindo.

Ah, não. Eu estava trabalhando (risos). Definitivamente não consigo fazer turnê com tantos caminhões quanto ela, mas estava tomando notas.

Uma coisa que sempre amei sobre suas turnês é que elas são basicamente só você. Que você não precise…

Tanta coisa? De certa maneira, queria provar para mim mesma que eu podia carregar o peso todo de um show. Na verdade, muitas de minhas turnês não tinham dançarinos e contavam com uma produção muito limitada. Na Tour of the Mongoose [2002-03], que foi uma das minhas turnês mais bem sucedidas, com a maior produção, eu viajava com aquela serpente que levantava no começo do show, lembra? Aquela serpente custou 1 milhão, e transportar a serpente custou muitos milhões mais. Quando a turnê acabou, meu empresário pediu a comissão dele e eu disse: “ha ha, e quanto eu ganhei? ”. Ele disse “Não, você perdeu 6 milhões. Você não quis viajar com aquela cobra?”. Você vive e aprende.

Montar uma turnê é divertido, mas é um grande esforço e você tem que colocar tudo na balança e decidir o que os fãs realmente querem ouvir, quais músicas você quer ouvir e quanta produção você quer. No fim das contas, quanto mais produção você tiver, mais caro é o preço do ingresso… quero que os ingressos sejam possíveis, mas para mim, o mais importante é repertório. Por isso que penso que minha próxima turnê vai ser a turnê de uma vida inteira: porque tenho tantas músicas.

Você acha que em cinco anos, quando olhar para trás, vai ver este momento com olhos mais positivos?

Como uma benção disfarçada? Acho que nada pode compensar a dor de destruir uma família. Claro que preciso seguir em frente por meus filhos, esta é minha maior motivação. Mas meu maior sonho, mais do que colecionar discos de platina e Grammys, era criar meus filhos com o pai deles. Superar obstáculos e envelhecer juntos. Agora já sei que não vou conseguir isso.

O que aprendeu sobre você mesma neste processo que mais te surpreendeu?

Minha força. Pensei que era muito mais fraca. Eu desmoronava diante dos problemas mais estúpidos. Fazia drama por lascar um dente e tudo mais. Mas amadurecer, passar por problemas de verdade, te dá um senso de perspectiva e empatia. Você aprende a valorizar os bons momentos e a como não amplificar os ruins.

Antes, quando não tinha problemas de verdade, eu era uma verdadeira drama queen. Me lembro que uma vez Gerard comprou um anel de diamantes porque lasquei meu dente no The Voice e chorava tanto. Estava inconsolável. Também estava grávida e cheia de hormônios. Agora eu lasco um dente e não vai além de uma inconveniência que você resolve com uma visita ao dentista. Não choraria por dois dias seguidos como faria antigamente quando costumava ser feliz.

Em um momento em que não parecem restar tabus na música latina em termos de conteúdo e imagem, você pensa muito no que quer dizer ou retratar em sua música?

Sempre fui muito consciente do fato de que o que uma pessoa pública expressa ou diz tem um eco e um impacto nos outros. Estou convencida de que temos que servir a comunidade através de nosso trabalho a ajudar o mundo a se tornar um lugar melhor. Como mulher, sinto que tenho uma responsabilidade. Também acho que a música é uma ferramenta, uma plataforma para minha validação como mulher e para validar minhas próprias ideias, mas não há uma agenda calculada por trás do que faço. Mas eu entendo, sim, a responsabilidade que vem com o que tenho e com ser uma pessoa pública e poder fazer música por tanto tempo e atingir tantas gerações. Sei que garotinhas me veem, vão aos meus shows, ouvem minha música. Isso sempre está no fundo da minha cabeça.

“Bzrp Music Sessions, Vol. 53” gerou muita controvérsia. As pessoas estavam divididas sobre se você deveria ter se pronunciado. Foi uma decisão difícil?

Quando fiz aquela sessão, pessoas na minha equipe estavam dizendo “por favor mude. Nem pense em soltar essa letra “e eu disse “porque não? ”. Não sou diplomata das Nações Unidas. Sou artista. Tenho o direito de organizar minhas emoções através do meu trabalho. É minha catarse e minha terapia, mas também é a terapia de muita gente. Sei que sou a voz de muita gente e não estou sendo pretenciosa, apenas realista. Empresto minha voz a muitas mulheres que talvez quisessem dizer as mesmas coisas que eu disse e talvez não tiveram a validação para isso. Acho que músicas como a Bizarrap Session ou como a que fiz com Karol deram a muitas mulheres força, autoempoderamento, autoconfiança e também a validação para expressar e dizer o que precisavam dizer.

E sem a necessidade de ser vulgar ou gráfica?

Não, mas indo direto na jugular. Não sei como ir para nenhum outro lugar.

Michelle Yeoh, que tem 61 anos, ganhou o Oscar de melhor atriz este ano. Em seu discurso, ela disse: “Mulheres, não deixem ninguém dizer que seu momento já passou”. Nossa indústria é muito etarista. O que você acha destas palavras?

Quando o ano começou e eu conseguir aquele primeiro #1 e depois o outro, seguido, eu pensei “isso não pode estar acontecendo comigo aos 46”. Foi tão incrível quebrar o molde ou reinventar os paradigmas e também porque é assim que se muda as coisas. Sinto que tenho mais energia agora do que em muitos outros momentos da minha vida. Agora o estúdio é um dos meus lugares felizes. No passado, não era bem assim. Houve momentos em que tinha uma relação de amor e ódio. Tinha um pouco do fator medo no estúdio, diante do prospecto de estar diante de uma folha em branco. Mas agora, quando estou prestes a começar uma música, meu sentimento é mais de antecipação. Talvez porque não seja tanto a louca controladora que costumava ser?

Sério?

Eu relaxei muito! Ainda controlo, mas não sou insana. Quem não gosta de controle, de certa maneira? Você quer ver sua visão concretizada, mas desencanei muito. Se eu lascasse um dente agora, provavelmente derramaria uma lágrima ou duas, mas não conseguiria chorar o dia todo.

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